“Minha avó nasceu em 1936 e assim como os demais irmãos dela, quando chegou a época de irem para a escola, seu Antônio não pensou muito e foi atrás do prefeito para implantar uma escola para que a criançada pudesse estudar. Naquele tempo, ele já vislumbrava que o estudo era o mais importante tesouro que poderia dar aos filhos”, confidenciou uma das bisnetas do remanescente, Gonçalina Eva de Almeida, superintendente de Diversidade da Secretaria de Estado de Educação, Esporte e Lazer (Seduc).
Com sua insistência e determinação, seu Antônio foi atrás de alguém que cedesse um terreno para a instalação da primeira escola da comunidade. Conseguiu um aliado, seu ‘Manequinho’, o benemérito que permitiu que a unidade escolar funcionasse em suas terras.
Mas Antônio Mulato afirma que no primeiro dia de aula, apesar de ter sido ele o intermediador para que a escola chegasse em Mata Cavalo, seus filhos não puderam entrar em sala. “Como naquele tempo não tinha professora negra, veio uma branca de Nossa Senhora de Livramento, chamada Cira, para dar aula. E meus filhos foram contentes para o primeiro contato com a escrita. No entanto, a escola não era muito grande, dava para começar, mas não suportava todos os alunos. A professora então selecionou só os brancos e mandou os negros de volta para casa porque não havia espaço para todos”, relembra ele, ao contar para os netos.
Seu Antônio Mulato não se intimidou e furioso ‘comprou’ a briga com a professora e foi falar com o prefeito. Chamou novamente a comunidade para o debate. Resultado? Conseguiu as vagas para os filhos e outros negros e assim, nessa luta, acabou passando para aos seus descendentes o legado no processo educativo. Para seu orgulho há entre os filhos, professores, advogado, fazendeiros, seguindo as carreiras que escolheram e se transformando em cidadãos.
“É um orgulho para nós, porque mesmo antes de ter os direitos solidificados, já tinha alguém que pensava, que defendia os direitos dos seus filhos, principalmente o direito à educação formal. Meu bisavô era um visionário para seu tempo. Ele pensava ‘se estudarem vão ser alguém na vida’ e com esse objetivo ensinou seus descendentes”, destacou Gonçalina, que se formou professora e lecionou na comunidade. Ela trabalhou não na escolinha original, porque o local cresceu e acabou ganhando uma unidade estadual, a Escola Estadual Tereza Conceição Arruda. O nome escolhido para a escola é em homenagem a uma das filhas de seu Antônio, já falecida.
Tradições
Atualmente moram na comunidade Mata Cavalo 300 famílias, algumas delas com até oito filhos. Ou seja, cerca de 1.200 pessoas. É também a comunidade que mais tem se esforçado na luta pela conservação de suas tradições e das terras.
A memória teve um papel fundamental na construção da identidade do grupo e na conservação dos valores ancestrais, transmitidos de geração em geração pela educação informal, realizada nas festas tradicionais, na organização social e do trabalho e em outras experiências vividas no cotidiano das famílias
Seu Antônio nasceu, cresceu e vive até hoje na comunidade. Casou-se duas vezes. Da primeira companheira, com quem teve seis filhos, ficou viúvo. Teve um relacionamento passageiro que lhe rendeu uma filha. Depois se casou com a atual esposa, com quem tem outros seis filhos.
Aniversário
O almoço comemorativo ao aniversário de seu Antônio foi simples, mas do jeito que o aniversariante gosta. Cozidão, feijão com catuni (joelho de boi) e uma boa farofa de banana, ali mesmo, em Mata Cavalo. Mas o mais importante, ele estava rodeado pelos familiares e amigos. Assim o mais antigo remanescente de Mata Cavalo celebrou os 111º ano de muito aprendizado.
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